terça-feira, 7 de abril de 2009

Isto é outra coisa


Porque isso é outra coisa. Isso que você fala.

O que eu falo não tem o gosto acre da ressaca para esquecer, porque o que eu falo não foi feito para esquecer. Foi feito para acordar e lembrar, almoçar e lembrar, chegar de um dia cinzento e lembrar, deitar e, antes de adormecer, lembrar. O que eu falo não foi feito para esquecer, assim, entre todas as outras coisas. Foi feito para lembrar.

Não, o que eu falo também não faz chorar. Não de tristeza. O que eu falo é para sorrir. Sorrir apesar da praia com chuva, do calor que derrete até a paciência, do trânsito que não vai te deixar chegar na hora, do trabalho que não vai ficar pronto a tempo. O pai reclama, a mãe resmunga o seu mau humor, a irmã chora seus mimos, batem a porta na sua fuça e você desenha um sincero sorriso no rosto. Deixa que a lágrima escorra sim, mas que o faça entre os dentes, em meio de uma feliz parábola de lábios. Assumindo, a cena, um tom que provoca os olhos ranzinzas. Que provoque! O que eu falo só quer sorrir.

O que eu falo não tem essa sua insegurança. Esse seu medo do depois. O que eu falo é abraço. Seguro, firme e fechado. Quatro braços, um abrigo. Ufa! O que eu falo não tem brechas para as picuinhas do mundo, não. Se falou que vinha, é porque vem. Se disse que ligaria, vai ligar. Não ligou ainda porque adormeceu, porque a aula atrasou, o celular descarregou... Mas espere, vai ligar. E você vai acreditar quando te disser o que aconteceu antes de conseguir falar com você. Mesmo quando existirem histórias épicas no meio do enredo, você vai acreditar. Por que não acreditaria?

Mas você não precisa vir dar um nome ao que eu falo. O que eu falo não nasceu feito criança boba, esgoelando-se por um sentido para ter vindo ao mundo. Nasceu porque não tinha outra escolha que não nascer. E já. Como se o simples existir já explicasse o próprio existir. Ouso pedir ainda que esqueça um pouco essa da morte nos separar, de ele ficar com a parede e eu com a porta, de ele roncar demais, de eu precisar de um anel nosso ou de a gente precisar explicar alguma coisa a alguém. Isso fica para as coisas que constam nos dicionários, que passam por reformas ortográficas. O que eu falo não. Porque o que eu falo não tem nome e não tem porque não precisa.

O que eu falo vive do agora. Do gosto que fica. Que pode ser que dure para sempre, como gostam de prometer por aí, mas também pode ser que não. O que não pode mesmo é você achar que isto é igual a isso que você conta. Não, não. Isto é outra coisa.

E faz um bem que você nem imagina.

Rafaela Fernandes