sábado, 29 de novembro de 2008

De cabeça para baixo


Hoje, eu acordei e, em vez de sair pelo lado direito da cama, como o habitual, parei um minuto para pensar em como seria o meu dia se eu fizesse tudo ao contrário. Bom, o que me prendeu por alguns instantes foi a existência de um ditado que se refere ao mau humor de um ser, quando o mesmo não “levanta com o pé direito”.

Minha curiosidade me foi suficiente para testar. Virei-me para o outro lado da cama e lancei meu pé esquerdo recém podado (havia visitado o podólogo no dia anterior) em direção àquele chão gélido, à espera de encontrar pantufinhas de princesa para aconchegá-lo.

Mas as tão sonhadas pantufinhas (leia-se havaianas de dez anos atrás) haviam ficado do lado direito da cama, certamente. Primeira decepção do dia: calafrios. Essa eu podia superar. Resolvi, então, sentar-me em uma cadeira que não fosse a minha na cozinha, para deliciar a minha refeição preferida, a qual, infelizmente, eu saboreava rápido demais, pois tinha aula. Daí, eu esqueci a reportagem que passava na tevê e mergulhei fundo nos meus pensamentos quentinhos.

Quantas vezes eu fazia sempre a mesma coisa todos os dias? E não me refiro só a levantar pelo lado oposto da cama ou sentar em um lugar diferente do de costume. Mas, pense um pouco. Aquela velha música dos Titãs é de extrema validez para este momento de reflexão.

“Devia ter arriscado mais”. De fato! A gente sempre faz as mesmas coisas diariamente, reclamamos da nossa estabelecida rotina e o que fazemos para mudá-la? Nada. Apenas acostumamos nosso corpo e nosso cérebro que tem de ser assim. Quando não se tem tempo, rezamos pelas benditas férias, e quando estamos de férias, do que resmungamos? De não se ter nada para fazer.

Nunca estamos satisfeitos, isso é verdade. Porém, raramente temos a atitude de levantar com o pé esquerdo para mudar o curso dessa história. Por que não nos darmos férias no meio dessa rotina insana? Por que não acordar e pensar “tenho mil coisas para fazer, mas hoje vou pegar meu carro e deixá-lo me levar até onde a gasolina der.”? Por que não levar seus estresses para afogar no mar, enquanto acompanha o Sol pronunciar seu adeus até o próximo dia?

Eu tenho uma resposta. A gente se agarra demais nessa rotina e temos medo das conseqüências que uma mudança possa trazer a nós.

Lembre-se que apenas com essas alterações, com as decepções e desilusões, o aprendizado humano se torna mais profundo. Uma mudança que nos traz conseqüências ruins jamais será esquecida ou repetida. E uma mudança boa será incluída no seu velho dia-a-dia, para lhe dar uma cara nova e diferente.

E permita-me lhe dar ainda outro conselho. Deixe para pensar essas coisas à noite, quando estiver deitado e preparado para dormir. Ou senão você chegará atrasado à aula.
Ah, droga.

Beatriz Noele

domingo, 16 de novembro de 2008

Se eles não vêem, a gente inventa


Acordou, olhou-se miseravelmente ao espelho e achou.

Ali estavam os olhos através dos quais se via um reflexo distorcido e duvidoso. Os olhos que, vermelhos como a fumaça da noite anterior e manchados pelo preto que já precisava de retoque, pareciam prostituídos quando vistos por eles mesmos. Uns que eram intrusos e infames quando contavam ao mundo que enxergavam a euforia das ruas em um quadro descolorido, em uma arte abstrata de mau gosto. E igualmente impertinentes quando queriam obrigar os outros olhos, os dos outros, a enxergarem sob sua lente mofada. Olhos malditos, marrentos.

Viam mal qualquer coisa que não estivesse muito próxima e, portanto, declaravam-se cegos para as tais. Ficava mais fácil para explicar. Mas, se do distante, que era distante demais, não enxergavam nada além de um contorno impreciso, imaginavam. Ah, e que perigoso era fazer imaginar quem foi feito para a tarefa de ver. E era perigoso porque era fácil acreditar naqueles olhos quando, derretidos de ilusão, supunham que o que desejavam ver era perto, estava seu. E fantasiavam que o muito que não viam compunha um todo generoso, um todo de carinho e devoção. Não havia fingimento nem mau tempo no lugar em que esses olhos não viam. Era um não ver sincero e inspirador.

Mas às vezes criar trazia aos ditos olhos umas e tantas inevitáveis lágrimas de angústia e, abarrotados, eles pestanejavam para fazê-las do mundo. Elas caiam para lavar aquele rosto de mentiras enrugadas e contar que, agora, tudo estava quieto e sereno, como a calmaria que precede uma próxima tempestade.

Acordou, olhou-se miseravelmente ao espelho e teve certeza: precisava encontrar os seus óculos.

Rafaela Fernandes