quarta-feira, 24 de junho de 2009

Não se trata de um mero barro oco


Ele acorda trepidante. Parecia-lhe que a hora, que na verdade ainda nem chegara, já havia passado do ponto há muito. Ignora a constatação que vem em seguida, da sua janela. A de que o céu ainda não faz sol e de que os passarinhos ainda roncam, em vez de cantar. O universo conspira a favor do sossego da sua cama, mas o menino resiste, quer começar cedo. Já acordou e já sorriu para o quase-dia, dando sinal de que aquele despertar não tinha mais volta.

Ainda com os olhos amiudados pelo sono, lava o rosto marcado pelos sonhos da última noite, prepara as mãos calejadas pela sobrevivência e lança-as à obra. Barro bruto, com jeito de coisa alguma. Frio, como se assim declarasse sua carência de alma capaz de fazer um calor qualquer. E o menino, agora já assumindo jeito de homem, põe em mãos a responsabilidade pela imprevisível criação.

Molha aqui, modela assim. Remove dali, acrescenta onde der. Há algum racionalismo sim, mas a emoção revela-se majoritária em cada singelo toque. As mãos cuidadosas – e um tanto trêmulas pelo binômio desejo-medo - dão ao barro moço curvas cheias de boas vontades. Das mãos criadas partem braços frágeis e daí um corpo inteiro, cujo desenho tem o formato das mãos de onde tudo partiu. Não duvide da impressão, trata-se mesmo de um ciclo imbuído de vício. Tudo começa onde tudo termina para começar de novo.

Antes que alguém questione, o moço reforça: esta obra não nasceu por um fim e vai viver da beleza da repetição. E a obra, que acaba de ganhar um coração (ou de redescobrir o seu, pouco importa), garante que, agora, o que mais sabe desejar é permanecer nas mãos desse que a criou. Não por mera gratidão, mas por sincero querer. Quem te disse que barro não ama?

Rafaela Fernandes

sábado, 13 de junho de 2009

De primeira viagem

Calma, calma! Não precisa desse alvoroço. Você também é de primeira viagem? Então, entende do que estou falando. A animação é muita, mas, junto dela, também caminha a aflição, como duas irmãs siamesas. Uma deu um passo, a outra deu junto.

Aí você sái de casa, anda a cidade inteira e não encontra nada. Sabe quando você já pensa no que quer antes mesmo de saber se está à venda? E quem disse que existe? E quem disse que vai ter exatamente como você imaginou? Bordas pretas, quatro espaços, dois em pé e dois deitados.

De repente, você encontra, ufa! E resolve dar uma realmente de “primeira viagem” e fazer todo o resto. O coração que é bom e custa uma nota preta foi deixado um pouco de lado. Levou-lhe horas para ficar pronto, mas ficou do seu agrado. Deu até vontade de comer os bombons.

Mas agora que passou e a calmaria reina por completo, não me arrependo do tempo que correu rapidamente pelos meus olhos enquanto eu o preparava carinhosamente. E espero que tenha acontecido o mesmo com você.

Surpresa!

A recíproca foi muito verdadeira. As flores eram lindas, e ouvir o que mais se espera também foi maravilhoso, quiçá o mais perfeito dos presentes. Tem coisa melhor do que ser de primeira viagem? Posso até garantir que agora eu espero ansiosamente para o embarque da próxima aventura.

E entre lágrimas e sorrisos de felicidade, eu virei para ele e disse “eu também te amo!”

Beatriz Noele