Toda quarta-feira, ela vestia sua melhor roupa. O seu melhor vestido escoltava sua silhueta delicadamente desenhada, valorizando sua forma instrumental de violão e esvoaçando-se ritmicamente com o andar daquela moça, como a perfeita combinação de uma melodia com sua letra. Sua sombra escura contornava seus olhos grandes e brilhantes, fazendo sintonia com o azul profundo do seu olhar. Abria o armário e calçava seus melhores sapatos. Eram altos e desvendavam o segredo dos seus pés praticamente nus.
Desligava as luzes de casa e sempre deixava a janela aberta, para o luar iluminar seu quarto escuro. Andava desacompanhada na noite fria, tanto de braços de lã ou de humanos. Como sempre.
Entrava no bar e sentava-se na mesma mesa de toda quarta-feira. A mesa do canto, da qual se tinha a visão completa do ambiente e a escondia na sombra, pela falta de luz. Apenas ela e o luar brincalhão que conseguia escapar por entre a vidraça, de vez em quando. Pedia a mesma bebida: vodka com gelo. E esperava.
Na mesma hora, toda quarta-feira, ela o observava entrar, sentar-se na mesa do outro lado do recinto e ordenar o seu passa-sede habitual: cerveja. O cansaço expresso sem vergonha em seu rosto combinava com suas calças largadas e surradas, daquelas que já tinham “muitos anos de prática no negócio”. Sua camisa de botão mal passada já havia sofrido o desabotoar dos dois primeiros proprietários e estava aos gritos com seu par de tênis, o qual, é válido salientar, já havia alcançado a meia-idade.
Ela notava, de longe, o afogamento precoce daquele homem no copo que transbordava a frieza que o esquentava, afundando-se na sua própria desventura. Acompanhado de homens assim como o qual, ele acendia o seu cigarro e bebia sua água. Toda quarta-feira.
E toda quarta-feira, após terminar sua única dose, ela se levantava, recolhia sua cadeira, deixava uma gorjeta para o garçom e andava com seus melhores sapatos até a porta, de onde jogava um último olhar, com seus olhos grandes e brilhantes, para aquele homem.
E mais uma vez, toda quarta-feira, saía com sua certeza: de que seu melhor vestido e seu melhor par de sapatos não seriam capazes de cortar as raízes grossas e fortes daquela pequena metáfora de árvore humana.
A despeito de todos os problemas dele, ela comportava uma falha muito maior: tinha medo de mudar a roupa.
Beatriz Noele