Não é fácil separar.
Não falo em separar as roupas lavadas de uma casa com quatro mulheres quase iguais, decidindo o que vai para cada armário. Nem falo em separar o feijão bom daqueles outros que acabam vindo no saco ou em separar as rodelas de cebola crua da paçoca. Vai dizer que nunca separou os coentros da sopa? Toma tempo, consome alguns minutos de paciência, mas há quem tente, aprenda com a repetição e até faça isso com agilidade.
Também não se trata de separar vida profissional de vida pessoal, separar os dias de cachaça/som alto dos dias de chocolate quente/filme ou os dias das gargalhadas fáceis dos dias de chorar vendo o comercial da coca-cola. Separar os dias de revolta, dos dias de plena calmaria. Parece-me que o crescer cuida disso e muitas vezes essas separações fazem-se até inconscientemente, sem sequer deixar seqüelas.
Mas, enfim, no que eu falo não há crescer, não há repetição ou coisa alguma que ensine a fazer com leveza.
Porque eu falo em separar sonhos. Decidir quais são meus, quais você deve levar e quais eram tão nossos que não há outra escolha que não deixar virar nuvem. Falo em separar os dias bons, entendendo que a partir de agora há em você alegrias que não nossas e que o inverso também é verdade. Separar também os dias de desespero, em que se chorava para alguém mais ouvir. Não é fácil separar o meu chegar em casa do seu, separar os nossos fins de semana. Como explicar que posse, solidão, amor e crença em um par são sentimentos tenuamente distintos, mas sinceramente distintos? Separar os meus desejos da minha límpida razão dói. E dói devagar, porque só dói quando o tempo passa e só vai parar de doer - ou a gente só vai se acostumar com a dor - se o tempo passar.
Não quero separar lembranças, elas são docemente indivisíveis. Só que preciso redescobrir o que de nós sou eu e aonde esta tal de mim quer chegar. Preciso permitir que você faça o mesmo. Minha alma pede ao meu juízo para que ele busque o sentido dos meus passos e, para isso, preciso tentar separá-los dos seus.
Mas não, meu bem. Não é fácil nos separar e eu ainda nem sei bem como isso se faz. É estranho.
Rafaela Fernandes