domingo, 29 de maio de 2011

Não é fácil, é estranho

Não é fácil separar.

Não falo em separar as roupas lavadas de uma casa com quatro mulheres quase iguais, decidindo o que vai para cada armário. Nem falo em separar o feijão bom daqueles outros que acabam vindo no saco ou em separar as rodelas de cebola crua da paçoca. Vai dizer que nunca separou os coentros da sopa? Toma tempo, consome alguns minutos de paciência, mas há quem tente, aprenda com a repetição e até faça isso com agilidade.

Também não se trata de separar vida profissional de vida pessoal, separar os dias de cachaça/som alto dos dias de chocolate quente/filme ou os dias das gargalhadas fáceis dos dias de chorar vendo o comercial da coca-cola. Separar os dias de revolta, dos dias de plena calmaria. Parece-me que o crescer cuida disso e muitas vezes essas separações fazem-se até inconscientemente, sem sequer deixar seqüelas.

Mas, enfim, no que eu falo não há crescer, não há repetição ou coisa alguma que ensine a fazer com leveza.

Porque eu falo em separar sonhos. Decidir quais são meus, quais você deve levar e quais eram tão nossos que não há outra escolha que não deixar virar nuvem. Falo em separar os dias bons, entendendo que a partir de agora há em você alegrias que não nossas e que o inverso também é verdade. Separar também os dias de desespero, em que se chorava para alguém mais ouvir. Não é fácil separar o meu chegar em casa do seu, separar os nossos fins de semana. Como explicar que posse, solidão, amor e crença em um par são sentimentos tenuamente distintos, mas sinceramente distintos? Separar os meus desejos da minha límpida razão dói. E dói devagar, porque só dói quando o tempo passa e só vai parar de doer - ou a gente só vai se acostumar com a dor - se o tempo passar.

Não quero separar lembranças, elas são docemente indivisíveis. Só que preciso redescobrir o que de nós sou eu e aonde esta tal de mim quer chegar. Preciso permitir que você faça o mesmo. Minha alma pede ao meu juízo para que ele busque o sentido dos meus passos e, para isso, preciso tentar separá-los dos seus.

Mas não, meu bem. Não é fácil nos separar e eu ainda nem sei bem como isso se faz. É estranho.


Rafaela Fernandes

7 comentários:

Renatinha disse...

as separações dos nosso sonhos são, muitas vezes, dolorosas... mas o que não conseguimos ver é que, as vezes, temos um mar de oportunidades e novas possibilidades quando fechamos algumas portas... sonhos vão, sonhos vêm.. no final são nossas escolhas que nos guiam :) beijo flor, lindo texto

vanessa disse...

Lindas palavras. :)

Ugo Leite disse...

É nada fácil separar. Estranheza.

Não falemos em separar as cabeças dos corpos dos condenados à guilhotina. Nem em separar o A e o Z daquela sopa de letrinhas. Tampouco separar na poesia a rima pobre da rica, da rara. Também não em separar os jogadores dos nossos times depois do par ou ímpar. Muito menos os palitinhos quantos quero para uma jogada de porrinha. Menos ainda em separar o sujeito do predicado, quando houver sujeito na oração. Ou as orações de um terço. Ou um quarto de milha de um pangaré.
Falemos, pois, em separar dois corpos de um Eu Te Amo, e aquelas coisas de separar o paletó que enlaça o vestido. E de um sapato que pisa em outro naquela dança buarqueana. Pois falemos em separar O Eu Profundo dos Outros Eus. Separar as pessoas de Pessoa. Separar Camões d’Os Lusíadas. Vieira dos sermões. Separar Chico da música. Separar a aorta do coração. O coração, do corpo. O corpo, da alma. A alma, dos olhos. Os olhos, da janela. Aliás, eles são a janela da alma de um corpo em que bate um coração, baticum do sabor de uma separação, nas lágrimas que enxugam o chão de um tapete Atrás da Porta.

Anônimo disse...

essa coisa de separação sempre me dói.
e tem umas que eternamente.
acho que isso é mal de quem se atrapalhava até com separação silábica.
"tentaí, menina: 'despedaçar'"

e eu ali, enlouquecendo com aquela informação.

mas passa...
tem uns retalhos ótimos que combinam com sua alma.
e quando você vê se depara com um novo você.
aí, é bom esse seu novo você me reconhecer, viu?
beijos sua linda!

chiquinha

ps. vc escreve lindo.

Meninote disse...

Como você escreve bem, Maná. Deveria voltar a fazer isso, mas sei que seu tempo não tem sido tão amigo para realizares tal atividade. De toda maneira, fica aqui o elogio.

Anônimo disse...

Poxa, minha filha...vc sempre tão feliz e sensata em suas palavras.Esse texto vale uma bela e demora reflexão... Se-pa,rar...sempre necessário e urgente.
Continue nos presenteando com suas escrita/expressão... Te amo ❤️

Anônimo disse...

Que lindo!!!
Parabéns, fiquei cheia de amor após ler esse texto é ainda mas em LER, que foi vc que nos brindou.
Separar dói e machuca, mas tb ensina muito e nos faz, muitas vezes crescer na dor.
Te amo, minha sobrinha afilhada de multifacetas e que eu admiro todas.
👏👏👏👏