quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Fundamentos para um pernalta aprendiz


Venha. Apoie-se em mim. Ponha, com cautela, uma das pernas à frente do corpo. Finque-a bem ao chão. Ela o ajudará a ficar de pé. Isso, assim. Segure firme aqui, neste ombro, força e-um-e-dois-e-três...de pé. Agora vá, ande. Vou segurando sua mão até sentir que você já pode seguir sozinho. Prefira os passos largos e firmes, mesmo quando indecisos. Busque sempre o que se mostra adiante. Você não deve recorrer ao aquém até que descubra o seu eixo. E antes de desvendar o seu equilíbrio - que não é uma quimera, é apenas um equilíbrio - tente não parar. Caso o faça acabará caindo. Não que isso seja um problema, na verdade isso é inevitável. Vai cair para descobrir que cair não é o fim. E aprenderá a encher de fé cada passo seguinte, mesmo mediante sutis desequilíbrios, mesmo diante da escolha por caminhos pouco confiáveis. Se o chão passa a ser duro, com jeito de impiedoso, você tem um motivo a mais para tornar a sua marcha ainda mais firme. Não tema ranhuras ou dores porque - não se zangue com a franqueza - isso também é inescapável.

Vou largar a sua mão, você não precisa mais da minha. Vai, continue andando mesmo assim. Continue até...caiu? O tempo assumirá a missão de sarar se você aceitar a de se levantar novamente. E sempre mais uma vez. Quando souber ser confiante e certo de si, vai ser também capaz de se fazer vertical sem a minha ajuda e sem o ombro de mais ninguém. E daí em diante a gente passa a ser sua plateia. Quem sabe participativa, do tipo que aplaude ou joga tomates, quem sabe apenas plateia. Você pode decidir por uma e/ou pela outra, quase sempre. Ou melhor, abandone o quase. Comporte-se como se pudesse decidir sempre.

Então um dia você sequer carecerá de plateia, mesmo que ela nunca deixe de existir e que você goste de saber que ela está lá, por você. Dia que não precisa ser hoje, nem o dia das 24 horas seguintes. Será um que não cabe em meticulosos planejamentos porque o tempo da gente, o seu tempo, não se mede por doces com velinhas.

Escute, enfim, o som que se aproxima sem pressa. Acompanhe a compasso como puder. Solte-se, inclusive das suas vergonhas. Admita a sua fantasia - e todas elas - e faça o favor de não deixar este carnaval para um quando ainda mais tarde.

Rafaela Fernandes

3 comentários:

Unknown disse...

Eu nunca pensei que andar de perna de pau fosse tão parecido com a vida.
É a mais incrível metáfora que eu já li a respeito.

Mais uma vez, você me trouxe as lágrimas. E isso é bom.
Mas, por enquanto, não solta ainda a minha mão...Não sinto que posso andar sozinha por ora.

Amo você, por tudo e por nada.
=)

Bazar do Desapego disse...

Poxa, que bacana! Aprendendo a andar na fantasia.

Birra disse...

simplesmente fantástico! comparar a vida ao andar de perna de pau.
suas metáforas continuam fantásticas.
assim como você, minha flor!
saudades enormes!