sexta-feira, 18 de junho de 2010

E eu oceano


Se você estivesse do lado de dentro, assim como eu, conseguiria ouvir o barulho da chuva lá fora, colidindo com as folhas das plantas, chocando-se com o telhado, tamanho era o silêncio aqui.

Um silêncio tão quieto e acomodado, que poderia até se ouvir os pensamentos. E eu os escutava com avidez. Pensamentos que tornavam esse silêncio barulhento e desesperado demais, que acelerava o coração no peito e parecia gritar como um trombone, chacoalhando as vísceras, levantando as veias nas têmporas, expulsando a água dos olhos. E doía, doía.

Cada vez que ele falava, parecia que vinha um turbilhão de ondas em minha direção, tentando ao máximo afogar o novo pensamento desenquadrado do contexto. E as ondas não desistiam de me colocar para baixo, de me fazer rolar dentro d’água. E cada vez que eu tentava chegar à superfície e puxar fôlego, vinha uma nova onda, com uma nova velocidade e com uma nova verdade para estampar em meu rosto, e fazer com que eu desistisse de buscar justamente por aquele fôlego inapropriado e sufocante.

E eu ficava dentro d’água. Lá era melhor. Meus pensamentos saiam com uma entonação abafada e eu mal podia escutá-los. O silêncio já era mais tolerado, como se a água fosse uma morfina, a qual entrava devagar em meu corpo e instaurava uma quietude. E eu fechava os olhos e me entorpecia naquele mar de morfina, o único que conseguia desaguar em mim. E a cada injeção, meus pensamentos eram calados, adormecidos. A cabeça ficava leve, o corpo também. Cansados.

E eu sentia, a cada minuto que passava, meu corpo indo devagar à superfície, como se um imã me puxasse aos pouquinhos para alcançar aquele outro oceano de ar novo, puro. E de repente, eu abria os olhos, muito pesados e anestesiados. E via a luz do céu; e como se nunca tivesse sentido o cheiro do ar, puxava-o o mais forte que eu podia, e enchia os meus pulmões como se esse ar fosse feito de alívio.

E eu ficava ali parada. Meus pensamentos, os quais adoravam me afogar, ainda adormecidos, e eu aproveitando ao máximo aquele momento em que eu poderia descansar e ganhar um pouco mais de força, para que no próximo maremoto eu buscasse o fôlego certo, sensato.

É a segunda coisa mais árdua e agonizante de se fazer. Quando se quer tanto um fôlego ilícito, é como se de repente me tirassem todo o seu oxigênio e nada mais restasse a ser feito. A não ser fechar os olhos e esperar, esperar e esperar.

Beatriz Noele

3 comentários:

Birra disse...

Que linda, linda!
Me fez fazer um oceano aqui dentro!
Volta bendita, muito.

Te adoro demais, belhinha!
Você é doce feito mel! =)

Um abraço apertado e feliz!

Leonardo disse...

Gostei do texto, da "viagem" dele.

"Pensamentos que tornavam esse silêncio barulhento e desesperado demais"

As vezes também sinto isso.

FxLx disse...

Você faz bem jus a expressão ''more than meets the eye''. Parabéns pelos seus escritos, são dotados de um estilo original e uma prosa moderna.

Parabéns =D