quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Noites assim


Era uma noite comum, escura, de mais uma sexta que – diferente dos bons tempos em que se usava uniformes – não tinha nada de bela e atraente, não tinha gosto de folga nem esperança de alvoroço. Era uma sexta-feira naturalmente fracassada e tediosa e não havia nenhuma dor desconhecida proveniente disso.

Surgiu, porém (coloco um grande peso nesse porém, o equivalente ao de me tirar do sofá e fazer-me passar pelo chuveiro para pôr uma fantasia qualquer), a idéia de sair. Poderia ter sido um convite, mas foi uma idéia. Escolhi acompanhar alguns por qualquer lugar. Qualquer que me parecesse novo e onde eu pudesse não falar para dedicar-me com sincero prazer ao ouvir.

E Fui.

(Daqui em diante tudo parecerá uma crônica mentirosa, mas decido continuar assim mesmo)

Após pouco mais ou menos de duas horas sentindo frio do tipo que eriça pêlos - num ato de quase deboche ao calor que é tão nosso -, ouvindo a cadência paliativa de um trio de berimbais, temendo algum pé daqui ou outra mão dali e agradecendo à lua por está tão companheira, tão junto; após essa utopia de roda, quis mais. Quis naquele agora conhecer mais do pedaço da cidade que vive apesar da moda, do tempo ruim, da lei-seca e do último capítulo da novela das oito.

E, para dias em que se quer isso, existe aquele mosaico de paralelepípedos. Um lugar que, quando vazio, conta-se que parece qualquer um escuro, ameaçador, com alguns sobradinhos envelhecidos e um tanto manchados pelos dias, um ou mais albergues, uma loja de portões e menos de meia dúzia de bares apertados. Mas na hora em que tudo isso se recheia - e isso acontece com uma freqüência muito maior do que a estimada pelo lado A - eu deixo de saber contar o que é. Talvez seja uma despretensão capaz de criar uma juventude de meio século, recordar o que não tem idade para ter vivido e matar toda pendência em um copinho achatado, portador do líquido que é doce e ardente, tal qual a semana que se foi.

Desejei obedecer ao meu cansaço senil e deitar-me ali mesmo, sobre uma daquelas mesas molhadas pela chuva rala que não concordou em ficar fora da festa. Aposto que tudo seria vivido também de olhos fechados, pois duas pálpebras são sinceramente incapazes de separar o que foi do que se pensou que fora. Acordaria logo mais, quando as notas saíssem choramingadas da mesa ao lado. Viveria assim pelo resto dos meus dias e ninguém a quem eu contasse acreditaria que tudo isso se esconde ali, na esquina anterior.

São a noites assim que se dedica o resto de um mês. Que se vê sentido em desejar coisas boas quando a maré pede, usando berros ensurdecedores, para que você seja sociável, esteja satisfeita com refrões que repetem sete vezes a palavra chiclete ou que te convencem a chupar, uma vez que é de uva. “Seja menos descontente e jogue toda essa birra de um lado, menina!”. Não. Não sou, não vou, não vejo graça e sim, sou que nem a sua mãe.

Com a única diferença de que me sinto mais leve, bem mais leve do que ela, pois não tenho filhos.


Rafaela Fernandes

3 comentários:

Leonardo disse...

Adorei Rafa. Realmente, noites na qual não seguimos o fluxo, são as mais memoráveis. Abraço forte.

Anônimo disse...

Eu poderia ter escrito todas as palavras com o mesmo teor. Nem sei dizer da felicidade de me sentir parte disso, de entender essa verdade. E que verdade, minha gente!

Anônimo disse...

Hahahaha, isso que eu chamo de Birra! Mto bom :)