sábado, 4 de outubro de 2008

Sob duas antenas


Agora eu poderia ser uma formiga.

Agora eu poderia ser uma daquelas quase invisíveis. Miúdas, ágeis. Sim, aquelas de hábitos oportunistas, que ninguém julgaria como pecaminosos, e uma dieta generalista, que colesterol nenhum seria capaz de restringir.

Ficaria satisfeita, até ‘íssima’, em ser a fértil que venceu por matar ou repelir tantas outras e que, só por isso, é a rainha. Seria fecundada apenas – e qual o problema? - por um ou dois machos. Machos leais, não atiradores de galanteios despersonalizados.

Depois de fecundada, abandonaria em um lado as minha asas, tão voadas, e procuraria um abrigo para os primeiros ovos de uma comunidade de milhares. Reinaria sobre todos os meus adocicados semelhantes e não cultivaria rugas, riscos de vasos obstruídos nem mesmo qualquer gastrite insolente, já que a busca por alimentos, o cuidado da prole e toda organização da colônia não caberiam a mim, mas às minhas solícitas operárias. E, nem duvide, essas trabalhariam não pelo troco do fim do mês, mas meramente em nome da nossa ordem e do nosso juízo.

Ah, e eu não seria insana em escolher como cenário algo dessemelhante a uma casa com bom gosto musical e adepta de hábitos alimentares refinados. Os melhores vinhos e uísques, as melhores e mais açucaradas tortas e algumas empadas, pizzas e afins para não deixar a vida enjoada demais.

Calada, seria capaz de fazer todos os demais me entenderem e nada sucumbiria antes de a mesa ser limpa, a comida ser posta e a festa ser declarada. O veneno, a destruição do ninho e o tão temido – e previsível - fim viriam depois de uma vida tão bem tida, que pouca diferença faria. Logo mais outra alada, outra rainha, começaria tudo novamente como se nada houvesse nos ferido antes. E outra vez e outra vez.

Rafaela Fernandes

7 comentários:

Beatriz Noele disse...

ah! queria ser uma formiga também.

magnífico!
e não deixe que as bundinhas laranjas comam suas pétalas.
=)

Anônimo disse...

Eis a pergunta que não quer calar:
Você seria laranja, amarela, verde ou rosa? (Risos)
Sempre com textos bem sacados. Por isso que eu babo por você, amiga!

Beijo.

Unknown disse...

Agora eu adoraria ser uma formiga...E de preferência uma daquelas que comem hidrocor transparente, pra ficar invisível!!
E ainda poder voar!!
Fantástico!
Como sempre!

Beijos, ailoviu!

Leonardo disse...

"e uma dieta generalista, que colesterol nenhum seria capaz de restringir."

gorda!

"Ah, e eu não seria insana em escolher como cenário algo dessemelhante a uma casa com bom gosto musical e adepta de hábitos alimentares refinados. Os melhores vinhos e uísques, as melhores e mais açucaradas tortas e algumas empadas, pizzas e afins para não deixar a vida enjoada demais.

Calada, seria capaz de fazer todos os demais me entenderem e nada sucumbiria antes de a mesa ser limpa, a comida ser posta e a festa ser declarada. O veneno, a destruição do ninho e o tão temido – e previsível - fim viriam depois de uma vida tão bem tida, que pouca diferença faria. Logo mais outra alada, outra rainha, começaria tudo novamente como se nada houvesse nos ferido antes. E outra vez e outra vez."

Adoro suas loucurinhas, bizarra.
continue escrevendo.
:)

Leonardo disse...

Ah, também queria ser uma formiga, mas me contentava por viver em uma sociedade devidamente organizada, com cada indivíduo desempenhando um papel importante para o todo e autônomo ao mesmo tempo.

beijo

Bazar do Desapego disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Seria fecundada apenas – e qual o problema? - por um ou dois machos. Machos leais, não atiradores de galanteios despersonalizados" Opa!! Também quero ser formiga... hahaha
Mto Bacana :)
Bom, pra mim, as rainhas sempre são lembradas, as esquecidas são as operárias. Como você é rainha...
Ah! Amanhã é dia de brincar de amarelinha.
Beijão