quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Feliz Desnatal


Depois de 19 anos, ela resolveu dar-lhe uma chance. Quem sabe, a essência do épico seria mais forte que o convencional. Apenas desta vez.

Resolveu contribuir de certa forma. Às 8 horas da noite, ela fez um coque no cabelo, reparou a franja com uma tiara, pôs seus óculos e caminhou com seus pés descalços e recém pintados até a cozinha. Juntou um punhado de ingredientes e, como diria aquela tia, “pôs a barriga no fogão”.

Até que, no discorrer da receita, faltara-lhe o principal. Como alguém fritaria rabanadas sem óleo? E ela olhava no relógio, o qual marcava 8 horas e 8 minutos, e correu, com seus pés descalços e com seu coque já pendendo à culpa da gravidade, para pegar a chave do carro. Que sorte a dela!

Ao abrir a porta, encontrava-se ali uma boa parte dos seus parentes. Com certeza, vestidos e calças sociais, sapatos altos, jóias e perfume francês não competiam com um coque mal feito, jeans, havaianas e colônia Johnson. Que sorte a minha, ela pensou. Depois de dar boas-vindas, de maneira enfezada com a situação, ela correu velozmente e apanhou tudo o que precisava.

Fritou as rabanadas e, finalmente, deu-se a liberdade de se sentir mais por dentro deste grande evento. Aí, ela subiu com seus pés novamente descalços e cabelos já ao rosto para construir a máscara natalina de todo ano. Mas hoje, seria diferente, pensou ela. A máscara seria mais suave. Para isso, resolveu então não passar lápis contornando seus pequenos olhos negros. Tomou um banho demorado, soltou seu coque para revelar bonitos cachos clareados, pôs uma cor no rosto. Fechou seu vestido e calçou a sandália que lhe conferia uns 10 centímetros a mais, e desceu para atuar naquilo que ela menos venerava: cumprimentos.

Após uma taça de vinho, tudo se tornaria mais fácil. Veio os salgadinhos, veio as rabanadas – que, por sinal, fizeram muito sucesso – vieram os presentes e, por fim, o jantar. E ela concluía, com o passar das horas, que não havia possibilidade do Natal tornar-se diferente com o passar do tempo, com o crescer da idade e com o aumento da maturidade. Estava enganada.

“Oi. Você me ligou?”
“Liguei, mas você não quis atender, né?”
“Me desculpe.”
“Foi só pra te desejar um feliz Natal de novo.”
“Jura?”
“Juro, juro.”

E assim, com um sorriso natalino por fim verdadeiro, que lhe escorria pelos lábios pintados, ela deitou no sofá e adormeceu, enquanto muitas taças de vinho e muitas ceias ainda eram servidos.

Beatriz Noele
Nota da autora: o escrito acima é baseado em fatos reais.

2 comentários:

Unknown disse...

Eu simplesmente ADOREEEEEI!!!! e o bom é que era eu lendo, e imaginando os fatos reais.. imaginei até pombão nisso tudo! kkkkkkkkkkkkkk.. Que saudadee! beeijo ;*

Reagia Lopes disse...

É verdade!!! porém espero que no próximo (ou nesse ano) tenhamos rabanadas de novo!!! dizem que estavam deliciosas..eu nem comi..algumas taças de vinhos já me impediam, kkk..mas desejo que no próximo Natal você não precise "construir a máscara natalina de todo ano", apenas sinta o clima de paz que reina nas famílias no Natal..verá que não precisa máscara para ser feliz..é só ser...