quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Feliz Álbum Novo


Ela não havia encontrado nada muito atrativo para gastar o tempo que acreditava ser seu. Tudo bem, ela também sabe que não procurou. Ou que procurou sem querer encontrar.

Mas eu estava na parte em que ela não havia encontrado nada muito atrativo.

Foi então que resolveu - guiada pela certeza duvidosa de que iria sentir-se melhor - fazer as horas passarem mais ligeiro enquanto olhava fotos em um álbum antigo. Talvez de um ano atrás, talvez bem mais do que isso. Não faria diferença. Mas nada tão velho a ponto de não resgatar memórias de cheiros, sensações de sabores ou dicas de impressões. Nada com poeira suficiente.

Encontrou aquele aniversário no qual um batalhão fora acordá-la. Oito da matina. Pijama velho, cara amassada, um delicioso bolo de chocolate, um pedido e... ‘clic!’. Não faz tanto tempo assim. Ela já improvisava o mesmo pedido que ainda faz em todos os bolos, de todos os seus aniversários. Ou, tudo bem, quase o mesmo pedido. Fica-se velha, fica-se menos exigente. É o que parece à moça e o que confirma, com simpatia, os olhos azuis e chuvosos da sua avó.

Ah, sua viagem ao exterior! Adolescente bobinha, sem muitas convicções, ou nenhuma delas, amigos estranhos, cidadezinha simpática, alguns agasalhos, piercing no nariz e... ‘clic!’. Ela lembrou-se de como era sentir-se um pouco mais dona de si, mesmo desconhecendo deveras o sentido disso. Conseguiu até sentir-se alheia à platéia e imune aos julgamentos, por mais uma vez. Lembrou-se, quase inevitavelmente, de um garoto da época. Mas não havia fotos dele. Não, nenhuma. Nem de relance, nem por engano. Contudo ela o tinha na memória e quis lançar essa lembrança de volta ao álbum. Não queria perdê-la por aí. Vai lá saber do que acontece por aí.

Depois vieram muitos vestibulares e quase “não foi desta vez” demais. Viu fotos de quando deixou o colégio com aqueles olhos de horror. Olhos de quem não fazia idéia do lugar onde estava indo. E, lógico, isso incluía festa de formatura, muito álcool e centenas de brindes a sei lá o quê. Os 18 anos e a falsa impressão de ser maior renderam uma centena delas. O primeiro carro – bem melhor do que o que ela pensou querer e merecer – apareceu de coadjuvante em umas. Algumas paixões, talvez duas. ‘Clic, clic, clic!’

Daí até a universidade não encontra tantas imagens, que não umas com a pele sem sol, um rosto tomado pelas olheiras e cabelos numa versão mais enxuta. Com a universidade ficam alguns sinais de cansaço, mas se percebe o pintar das novas companhias, a freqüência em novos lugares, que soavam e cheiravam melhor do que os antigos. Nada tão subjetivo, bastava ver e sentir. E viu, no álbum, sua vida universitária recriando sua vida pessoal em absolutamente qualquer aspecto. Guardou isso em um, dois... pouco mais que três ‘clic’s!’.

De uma forma ou de outra sabia, estava tudo lá. Guardado, recente, quieto ou não. Alguns diriam, mesmo vendo, que não tinha sido bem assim, garota fantasiosa. Outros, comparando o dia da surpresa de aniversário com o fim do último ano, balbuciariam qualquer reclamação. Como ela piorou. Ela não é mais tão colorida assim. Nossa, agora ela ficou completamente louca. E diriam baixo, para que ela não ouvisse e não ficasse ainda mais amarelinha.

A lente podia mudar, e ia, assim como ela. Assumir a sua permissividade para o novo era virtude cultivada com muito apreço. Mas o que ela queria mesmo era ver o tempo passar. E, mais do que isso, queria ir junto com ele, no ritmo por ele ditado. Sabia que veria o dissolver de grandes amizades e o manchar de verdadeiros amores. Veria alguns dos seus irem mais cedo, outros chegarem tarde demais. Não estava assustada, não estava alegre nem absolutamente triste. Estava viva. Acima das lembranças e das sensações, estava surpreendentemente viva e ciente disso.

Rafaela Fernandes

3 comentários:

Leonardo disse...

Pois é, seu texto me fez lembrar agora que não temos nenhuma foto juntos.
:(

Unknown disse...

"Estava viva. Acima das lembranças e das sensações, estava surpreendentemente viva e ciente disso."

Será que é tão difícil perceber? Ou será difícil de aceitar?
Existe vida além do fácil? Penso que sim!

Você é incrível! Mas "só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos", vai ver é isso...

Amo demais!

Andreza disse...

Incrível... incrível o texto, incrível não entender a mensagem.
Bjus Core! heheheheh =D