Larga o meu braço. Isso, já.
Abandona as minhas pernas, deixe que dos meus pés seja o que eu quiser.
Estou pedindo para devolver o meu juízo, o meu querer e o meu dever que as horas ainda não disseram que repousariam sob mim.
E não me faz essa cara mendiga, não levanta as sobrancelhas desse jeito nem me lança esses braços elásticos, pois eu disse a todos que iria. E eu preciso ir ver o que há do lado de lá, saber das músicas que eles ouvem, das bobagens que eles contam e das indecências que ruminam. Não que isso mude o lado de cá, mas eu desejo tanto saber.
Quero mudar esta roupa, lavar e largar estes cabelos, guardar meus óculos, pintar os olhos, esquecer a dor e fazer qualquer um chorar de rir. Fazer o garçom trabalhar até mais tarde, até a comida esfriar enquanto a bebida esquenta e eu conto os meus contos cheios de fantasias de menina ao mala da cadeira ao lado.
Deixa, só por hoje, que eu beba até esquecer os sentidos e virar uma sinestesia viva. Que suba na mesa e cante Odair José em alto e desafinado som. Amanhã, com ajuda de qualquer sede e qualquer dor de cabeça, você me conta o que houve debaixo daquele teto. E eu juro, juro mesmo, que não me importarei. Quando o azedo assumir todos os gostos, todas as comidas, lembrarei-me da certeza de que não há sabor pior do que o do jejum.
O que não parece justo é entregar as minhas décadas a esse pote de amarguras que é você. Nem é certo deixar os íntimos virarem estranhos e os estranhos mais estranhos ainda, se a gente não nasceu pra ser dueto. Se o nosso par é brega e inútil. Se enquanto você me segura, tão firme e tão convincente, eu só sei esperar o dia em que você vai desistir de mim.
Você não é doce. Não do tipo que pode ser posta distante, para ser sentida apenas na ponta da língua, quando a fome faz salivar. Assim você seria uma delícia. Você é amarga e fica tão próxima à garganta que tão logo faz sufocar e doer.
Então sai depressa daqui, solidão.
Sai porque hoje eu não quero ver você nem vestida de chocolate.
Rafaela Fernandes
11 comentários:
um bom texto, cuja melodia perfeita para acompanhar a leitura seria "Doce Solidão", não acha?
ah, minha flor.
se descobrissem que mergulhar na nossa, fosse um doce...
tudo estaria resolvido nessa compota. :P
um beijo
me ajude a descobrir quem roubou minha imaginação!
Belha, acho que você quis dizer:
Apesar de você achar as mesóclises antipáticas e eu achá-las um charme, seu texto dá pra tragar.
uahuahuahauha
A compota espera pelas suas próximas birras com braços de saudade, querida.
E achar sua imaginação não vai ser nada difícil, ela é grande demais pra ser escondida em um bolso ou debaixo do tapete. =)
Um beijo!
tem dias que ela é doce como um chocolate meio amargo.
deixe de birra, viu? que seus textos são sempre ÓTIMAS tragadas pra mim, com todo o prazer que tem-se direito!
:P
Eu não conheço, mas pelo que li, estamos na mesma...haha!
Escreve tão bem que fiquei com vergonha de ter um blog...Fato.
Você visitou meu orkut...Seja sempre bem vinda ;)
Adorei a musicalidade, Rafa! Não sabia que escrevia! =D
beijos.
Debora..
Lindíssimo texto!!
Trecho espetacular..." Quando o azedo assumir todos os gostos, todas as comidas, lembrarei-me da certeza de que não há sabor pior do que o do jejum "
Beijos
adorei o texto, rafa, bastante poético. acredito que solidao seja um pouco necessaria, senao a vida fica doce demais.
vc e bia tao de parabéns pelo blog!
bjao
Foi o final mais birrento que eu já li. =) E só para constar: Camelo estará em Sampa, semana que vem. Rá, rá, rá.
Concordo com quem disse por aí que esse amargo é necessário, mas, paciência, não é? Permita-se sentir o doce, amiga! Daqui a pouco você terá uma figura magrinha ao seu lado, mas que nesse aspecto sempre terá cabeça de obesa mórbida. huahuahua... Como já diria a minha querida mestra Clarice, 'eu quero tudo, agora'!
Um beijo e um petit gateau pra você!
=P
Caracaa.. Que textooooooo.. Final surpreendente..
Rafa PARABÉNS!!
Desconhecia esse seu talento. E esse espaço aqui? Frequentarei mais vezes..
Beijooss poetaa.
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